sábado, 16 de outubro de 2010

Um barulho; o barulho.
Acordo, nostálgica, ainda a ressacar de uma noite de cigarros e álcool. Procuro o chão que teima em fugir: o barulho; um barulho move-me na direcção oposta aos meus sentidos. Um pé primeiro, depois o equilíbrio. Sento-me, e volto a tentar. Estagno. Permaneço intacta na tentativa vã de identificar a causa, o mal de todos os meus problemas que reside naquele ordinário e ignóbil barulho. Melancólica e com um olho ainda fechado recordo: o que é que estou aqui a fazer?
O pensamento não flui, o sangue corre rápido e. E? Sim, e o barulho regressa. Não acendo a luz, não encontro a porta, não ando direita, não nada. Tenho um guia, apenas isso; um guia que não me deixa dormir, que me subleva a negação.
Deixo-me levar pelo varão que corre estreito pela palma ainda suada. Um degrau. E mais um. E tantos outros que são já centenas. Ou talvez não. Ao canto um sofá: o sorriso percorre-me. Sentada e já descalça, procuro o conforto naquelas duas almofadas sedosas. Sinto o cérebro a adormecer; já não sou sequer. E num enlace? Um barulho. O mesmo que me fez descer, o mesmo que teima em não querer que durma, que descanse dos vícios tão nobres do corpo. Mantenho-me acordada com o tilintar. Penso. Penso que tenho que me decidir em atacar a fonte ou estrategicamente desligar os ouvidos.
Num esforço hercúleo procuro mais uma vez o equilíbrio do chão. Agora firme e um pouco mais concentrada, passo a passo, vou trilhando o barulho. Abro a porta da marquise e permaneço hirta: nada. Nada. Nada. Espero; nem um único barulho. Espero pelo barulho. As pernas fraquejam, os olhos fecham, os braços tremulam. Espero por ele para que me deixe afundar em mim, para que me deixe desligar de tudo, para que me deixe não ser. Uma hora passou. Espero por ele e ele não espera por mim: desdenha, ri-se, provoca e silencia. Vou dormir.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Tantas vezes te disse que te amo. E tantas vezes foram poucas.
Tantas vezes olhei para ti pela distância na expectativa de que pudéssemos estreitar os nossos laços e sermos mais.
Tantas vezes nos imaginei juntas ao abrigo dos nossos segredos e sorrisos para colmatar uma falha qualquer como quem delicia a vida num sopro.
Tantas vezes te falei mal porque tudo o que queria era ter-te nos meus braços para te mostrar o que sou dentro da infância que foi pouca para a imensidão do quanto te quero.
Foram tantas as vezes, Inês, as madrugadas em que estive sozinha e podia ter-te abraçado no calor desse corpo frágil e humano que dormia dominado pela ira e pelo desassossego que é a procura desmedida de uma simples compreensão.
Desculpa se te neguei pela infâmia de te ter como minha. Sei que és do mundo, daqueles que sonegam a cura selvagem que se dobra no rugido. Sei que não pertences a mais ninguém; sei que não preservas as cores que te regem pelo anoitecer das mãos que nos embalam.
Desculpa se nunca lamentei o cruzamento das nossas mãos como forma de podemos ir mais além nas palavras que por vezes são ásperas e roçam a melancolia.
És uma energia madura de vida e sonhos e futuro. E tantas vezes penso em ti, como tantas vezes são as que não digo, as que omito por troca da minha caverna onde alimento os mesmos desejos e vácuos sobre os quais também me deito e adormeço.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Ah fúria que te persigo e te levanto para comer
fome de índigo
arrastos de poder.
Tambores trocam de degrau pela madrugada,
escondem-se de mim e do sangue que se espalha
em busca da palavra.
Ah rasgo de lava
Que me habita o peito
murmúrio silenciado
negação que rejeito
a calcorrear prisões e sabores,
verdades inacabadas
que só nós sabemos de cor.
Ah fúria a preto e branco,
em baquetas de propulsores,
torturas falhadas, sem revés:
Amor, Os teus pés?
Onde estão os teus pés?

Ah dor, suavidade cantada ao luar,
sublime arrepio
que tantas vezes invadiu o vazio.
Vou ali voar um pouco,
disseste,
e depois vi-te seres fumo,
nevoeiro dos meus parasitas
raiz que me habitas.
Sabia que não,
que não eras mais;
que não foste até mim estender a mão
e sorrir
com o resto do meu serão.
Sabia que não, pastor;
sabia que não me segurarias na face
como sustento da minha agrura
alento de doçura.
E vi-te sair de mim,
a atravessares o meu corpo
pela invisibilidade dos meus poros
invertendo o ciclo explosivo
de poder sonhar contigo.

Silencio:
a música dos que amam.

Pensei que sim.
Deixei-me estar à janela
Mas nunca mais o nevoeiro
ganhou a forma do teu corpo
morto
para sempre prisioneiro.
Vem a ternura.
A ternura que não esculpiu mais a cura
devolvendo a sombra que perdura.

Estendi um palco para te dançar
Corri cada canto da beira daquela janela
à escuta dos rufos da chegada
por meio do medo e da ânsia:
da liberdade e da fúria:
nada.
nada.
nada.
A cada aurora
numa lágrima suspensa fechada
recebo potes ocos com vento
desenhados pelos dedos do tempo.

Ah fúria por nunca te ter tido,
por te ter sentido
e isso ter-me moldado e perdido
todo o fervor dos oceanos
todas as nuvens que coleccionei
para te mostrar que o abstracto
tem o teu rosto gravado.
Molesto agora a revolta dos cumes.
E durmo nos passeios.
E continuo a aguardar pelos batuques,
espasmos mortais que imagino
a descerem o véu esquecido.

Não é tua a corrida repetitiva até à exaustão;
não é suficiente chicotear as fraquezas
e responder com o eco da solidão;
não chega enaltecer esse traço negro
essa tela escura,
ruptura,
em ameaças letais. Quero mais.
Mais:
viver desafiando a origem,
viver pela procriação desmedida dos teus vultos
perpetrados em cada uma das fendas da nossa ausência.
Viver assim,
sem mim,
a troco de cada sinalética do núcleo transversal
pela incerteza de saber que existes
que me procuraste, mas nunca me viste.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Vejo. O rasto de um sossego na plantação lá longe.
Sopro. O teu murmúrio no movimento em sucção.
Canto. Um sorriso oferecido que escorrega do grito invertido.
Oiço. As falésias que me perseguem onduladas por chamamentos.
Encerro. A distância que nos segrega, o peso que nos mantém vivos.
Escondo. A pobreza; a resignação; os bocejos.
Potencio. O túnel da solidão como acolhedor da sublimação.
Silencio: A morte.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

O medo arregaçou-me. Quis que perseguisse uma onda de suspiros que fumam.
Disse-me: vem conquistar o meu antro de fertilidade. E eu fui. Não fecundei. Fui.
Riu-se de mim; o medo. Riu tanto. E eu fiquei. Fiquei assim: fiquei cega com ânsia de te sorrir. Dobrei a esquina e fiz-me sal: sal que me molha e rega e foge para o interior.
Pausa.
O medo apoderou-se. Quis que cantasse o teu som – aquele que sabemos de cor.
Disse-me: é hora. É hora de te dar o que sou na melodia seguinte, nos braços ferrados, cerrados de amor. E bebeu de mim. Jurou cumplicidade. Jurou tanto.
Fiquei grande com tremuras de pequenina. Soltei o peito e brotou de ti, que estás longe, um refugo de tempestades invisíveis que espancam e ferem o nosso espaço tão curto.
É mais disto do teu tempo que perco na essência das coisas sem sentido e sem paz e sem segundos reais.
O medo. Sempre o medo a quebrar as barreiras da existência.
Sem tempo. O tempo de pintar a gosto um passeio encadeado nos movimentos ondulantes dos nossos corpos – segredos – que escolhemos não pensar.
A galope.
O medo olhou-me. Olhei o medo. E assim ficámos nas eternidades cavalgantes.
Viver para fora para, a seguir, respirar por dentro.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009