O cansaço vem e vai. Mostruário de glórias e pecados, o cansaço repete-se anarquicamente até se esvair. As pedras picam o aviso: não fujas, é pior. Depois será a vez dele se disfarçar de lobo e comer a sensibilidade que encerra o vento.
Os biombos já tremem no percurso.
Estou de joelhos. A pele foge; o cansaço está em vigília: celebra a hora. «Olha-me», peço, «Olha-me aqui. Estou aqui».
O cansaço arrasta-se, de bengala em punho – está cansado, o cansaço. Mas vigoroso. Mas perturbado pela presença que o contorna nas formas. «Olha-me», rio, «Olha-me ali. Estou ali».
O cansaço foge. O céu parece uma lista de degredos desenrolados à medida das desgraças alheias. O cansaço imiscui-se. Procura ser os dentes onde a procriação prevê andorinhas. Lá dentro quer saber o que é isso do mar aberto. Responde-lhe o eco que o chuta até à gota de sangue que passa. «De onde vens?». O cansaço esconde a cara com vergonha; o sangue percebe: «É a vergonha, não é? Também eu já fui cansaço; agora sou só a gota que corre até ser engolida pelo estremar. É a vergonha não é?».
O cansaço vem e vai. A convicção também o abandona. Sente-se só, o cansaço. Imaculado vinho de terras prometidas - vem e fica. Quero que fique. Quero que me olhe e quero que fique, junto a mim, embalado nestes braços que tenho e que não são meus. «Olha-me», suspiro, «Olha-me a amar-te, cansaço». Sou eu – o céu – que suplico pelo cansaço com máscara de vergonha. Sou eu - o sangue - que saio na morte que escolhi.
Olhamo-nos. Nos olhos. Olhos nos olhos. Por algumas horas. Os olhos nos olhos. Para amar. O toque é submerso; intensidade no arrasto. Inverno descarregado pelo sabor que trago na boca. Largo as tranças ao longo do nosso caminho. «Cansaço: vem». E o espasmo chama-o também: aí está ele a desmembrar-se enquanto se agarra às minhas unhas – as da gota que lhe fala, «É a vergonha não é?»
O cansaço não percebe; não entende que só eu o quero. Não há mais nada, nem ninguém, na simbiose a que somos sujeitos. Páro. Tu que sabes, tu que me lês, levas-me? E ao cansaço também? Lobo mau de espírito cansado.
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