terça-feira, 4 de setembro de 2007

Virtude em forma de desejo; alma humana no desencanto das cores. A correria. O trejeito muscular que te leva: nas masmorras que encerro. Pesquiso o teu nome na enciclopédia homóloga do desejo. As letras saem e tingem-me. Fico pedaço de pano escorraçado pelas lavagens insípidas. Um sino aqui, na fronteira: um olhar que me retoca as pinceladas na escultura. Mexes-te e levantas-te do pó. Sacodes resquícios de tinta nesse A inacabado de amor. Vejo-me a ficar sem cor. Tu, só tu, com o andar das pedras de granito movimentas o fulgor que os outros arranham. A terra absorve-me toda: lentamente sugada. Membro por membro vou sendo engolida pelos ódios alheios. E escondo-me para ser chão. Abro portas, deixo-te passar; estendo-te o meu tapete de rosas brancas: a teus pés o segredo. À volta um deserto; no estômago a vontade. Sou já um nó que se esmaga pela passagem da tua despedida. Volto-me para dentro onde jaz o candelabro que me ilumina os dias. O que interessa é que as rosas se resplandeçam perante a flutuação do teu sorriso no mundo. Por isso choro muito e a terra humedece; e a terra humedece-se; e a terra suaviza-te na calçada inócua das rosas que brilham. Sou motor de ti sem cor. E vives. E és oásis neste amontoado de areia onde não há música senão a do vazio que encontra pegadas.
- Olha um homem feliz., diz o menino que passa.
O meu sal estremece.
- Olha um homem feliz, mãe., diz o menino que passa.
O meu corpo entra em ebulição.
- Olha, mãe, um homem feliz., diz o menino que passa.
A cor volta; descongela-me o cérebro e quebra o sentido.
O menino chega. Ri-se muito e toca nas rosas. E toca nas rosas. E as rosas escurecem. E tu voltas a ver os membros: cada um a ser pedra. E eu regresso ao de cima. Já não sou terra e tu estás a ser pedra – granito em forma de eternidade.
Desespero. O meu. Ao ver-te perder o encanto com que te quis soprar na vida. «Ainda vou a tempo», penso. Corro. Corro muito e deixo que as rosas sequem o último sopro. Corro. Estou sôfrega. Toco num braço: já perpetuado. Agarro nas tuas faces com as mãos. E olho-te. E olho-te. E nos teus olhos a suavidade morna que nasceu do subsolo, passa por mim e respira a descoberta. Já não sabes chorar: as pedras não faíscam sem emoção, pois não amor? Mas eu sei que vais fechar os olhos e eu vou querer ser terra para te devolver a candura.
Largo um dos teus rostos. Por trás do ombro desprendo uma pétala que trouxe do mar quando te vi a morrer no encalço dos meus braços. Ofereço-ta. Juntamente com esta dor penso que talvez ela te salve. Sorris. Fixas-me e dizes pela enciclopédia das palavras que nem isso dá. Os teus olhos. A tua magia. O nosso conforto. Os teus olhos: um corpo nu. A vida num só momento juntos. Os teus olhos, os meus braços nos teus, a doçura. Não querer mais: sentir o mergulho por um só segundo. E ficar lá. E adormecer no quente do teu corpo. Os teus olhos fecharam-se. E eu morri para que a terra pudesse apodrecer.
- Olha um homem feliz., diz o menino.

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