domingo, 25 de fevereiro de 2007

Trinco. Trinco e procuro desmaterializar o que trinco: transformar.
Nos ouvidos, um ruído crocante, áspero, até. No gosto, vem a saliva que se mistura com a menta – ambos geram o paladar que desce e gera mais.
Trago agora na boca aquilo que procurei desmaterializar: matéria também; outra matéria com que brinco e já não saboreio. A saliva está seca: seca de outro sabor - o que há pouco me fez sublimar os sentidos.
Mastigo – já não trinco. Mastigo – brincadeira que se move nos dentes. Paralela. Disforme. Minha. Na boca.
Na boca onde já estivemos os dois – agora não.
Dormes. Recanto. Os lençóis ainda são só os nossos – os mesmos que ousámos usar horas antes no enlace dos nossos corpos.
Dormes. A boca é tudo o que te quero tocar.
Está frio e toda eu me tapo para não tremer a tua ausência.
Encosto-me agora só.
Os calcanhares afastam-se no cruzamento das pernas. Tombo; silêncio.
Nos dedos consigo vislumbrar a musicalidade que serás quando, na velhice, continuares na incursão pela guitarra: que tanto amas; que só te preenche.
Estou só, embora a imagem seja a tua porque sei que vais ficar; porque sou eu que, não tarda, terei que partir.
Fui. No ventre trago o teu cheiro: fresco, imune – teu. Não sei porque saí, nem porque me persegue este teu aroma onde estiveram tantas gargalhadas e beijos de amor… Lembra-me segredos; remete-me para esse teu pescoço quente – um cheiro quente na tua pele – fresco no meu ventre.
Quero guardá-lo. Vou fechá-lo quente no meu ventre e devolvo-te a frescura.
Pulsa o ritmo. Ventos orientais. Rio-me. Rio-me muito e deixo que o corpo seja o veículo da mistura. Vozes, batidas, álcool, miúdas – aaaaaaaahhhh, muitas!
Alucinação e o suor que escorrega na roupa; pelo corpo da camisa.
Olho para cima: batida, luzes. Não consigo parar e só a tua constante imagem – na partida – me devolve a verdade: foste.
Frio. Pequeno. Extremos em exuberância – é tudo o que sou. A pele continua macia como tanto gostavas mas, agora, é fria e eu – cá dentro - sou pequeno, circular e fechado. Vou da vontade de viver à certeza de morrer: extremos. Mas não foste tu, um dia, que me disseste que acabaria só?
Saí; quis fazê-lo. Derreti-me de uma doçura que só tu trazias – sabor completo por ser só um; textura suave e efémera. A dose certa – oferecias-me sempre a quantidade que me bastava para me satisfazer sem pedir mais: perfeito. Saí.
Mas estou cá – perto do mar a olhar para ti: soberbo, imenso, acolhedor.
Levantei-me agora e vim cá abaixo tomar um chá.
A chávena está no parapeito da janela a aquecer a madeira – a única que precisa de emoções. Cruzo a perna, ligeira no encaixe do calcanhar. No corpo, a seda, o cetim que me recorda a tua pele macia – será ainda morno, o toque das minhas mãos no teu rosto? É. Por isso olho; porque ainda é e eu já não estou só: aqui: num recanto de mim.
Abri a embalagem: pus creme nas mãos e segui pelos braços como quando o fazias, descontraída, no teu corpo. E eu a ver e tu que não me vias; e o cheiro a fluir e tu que não me vias. Sentada na cama punhas creme: sem cheiro que não o da tua pele.
Foi nessa noite, depois do nosso amor; foi nessa bruma quando já eu dormia nos lençóis da nossa união que senti o creme a desabitar a nossa casa, a nossa cama, a minha pele com o cheiro da tua.
Nunca precisaste de perfume. Tinhas o aroma de uma fragrância só tua: quando eu via e tu não sabias; quando eu absorvia o que deixavas no ar do teu corpo.
Silêncio.
Para que nos possamos escutar na distância. Há músicas assim: que só carecem de um aconchego em uníssono.
É áspero o ruído desta incerteza. Estou a caminho de ti. Procuro tactear uma razão. Disse-te que ia sair: saí; estou a voltar.
Causa estranheza… incómodo.
Percorro o lenço – teu – que guardei por cada um dos meus dedos; para cada uma das minhas extremidades nervosas. É incerto, o toque. Paro de mexer. Retenho-o na palma da mão: quieto – quero-me lembrar do que és sem sons ou rugosidades: quero-nos de volta.
Doce – o olhar que te trouxe de volta. A candura da tua imagem no regresso. Sabias a ti: límpida, suave.
A envolvência do teu sabor transfigurou a minha tristeza. Doce – só assim és na mistura das nossas salivas. Chegaste. Abri a porta: eras tu. Para mim.
- Desculpa.

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