domingo, 25 de março de 2007

Extrai uma gota de água de si:
força as mãos, entra no peito
firma-a.
O indicador e o polegar
unem-se para pegar
na fusão: corpo com matéria.
A gota: um tapete que quer lavar.
Os olhos penetram;
não se sente invadida. A retina
procura o vaso capilar
onde foram erguidos os muros;
está delicada, não se sente tocada.
Ele aprisiona, fixa por uma
ponta que é o seu respirar,
que é a garganta do solitário.
Vai:
com ela suspensa:
procura:
lava:
estende.
A gota sussurra; ninguém entende.
No cheiro, um sabor adocicado.
São dois: ele e a gota
que arrancou do peito. Sente;
a pressão é inútil. Resolve;
arriscar no desprender dos dedos
que a sustentam; a gota.
Estático; tudo estático na reboleira da manta estendida.
Os pés fazem desenhos,
os passos ouvem-se ao longe:
- A gota perdida.
Corre a água nos olhos: um vulto
- A sombra de alguém.
A gota corre de volta.
Está solta – revolta –
na gravidade de um seio seu.
Do outro lado?
o abismo.
Mas, ela, está solta:
pode sair e encontrar o que é.
Gravita: os dedos intentam
um embalo – deixa-se pegar no desfiladeiro.
Aí está, a gota,
suspensa de novo e agora invadida pela tentação.
Já sem extracção.
Aparece o sorriso: segreda-lhe ao ouvido.
Os dedos firmes que pegam na ponta.
Negação: a própria afirmação.
Balança com força; a força
que lhe devolve a vida.
Balança: balança muito porque o ar
já não circula, porque o entrosamento está farto.
Chega atrás e os dedos que suplicam;
vai ainda mais atrás e o peito que imobiliza;
balanço final que sustenta a descida;
linda gota embevecida.
O salto,
desprendimento total.
O salto que é a morte: dele
que a extraiu do peito. A gota,
o último ciclo de vida
que resolveu partir
resolve quebrar o muro;
e escolheu a sombra
e é feliz quando se estilhaça no abraço que faz
ao mundo.

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