Passeaste sem mim.
Numa caminhada longa – longo o teu eu sem mim.
Passeaste em passos que me consumiram: olhos crus.
Cheguei. Estou na parede, submersa nos fragmentos da vontade, porque o choro também chora; e as lágrimas deixam de ser água salgada na excedência da luz.
Deito-me no chão: está pisado o chão; no andar que é teu; no passeio sem mim. Beijo a terra. Perdidamente. Abraço-a. Sujo-me toda e gosto que a poeira negra seja a roupa que me cobre: e a lama do nosso brilho no meu corpo. As costas tapam um pedaço de rua. Consolo: o frio numa artéria gasta por ti.
As pedras estão mudas, mas contam-me segredos. Altero o movimento: já não são as costas, a simbiose dos pés. No silêncio – terno – procuro o chão com os ouvidos. Os segredos a fluírem nas minhas mãos: as pedras a invadirem sem permissão. Sou grão – um só. Abro as pernas para amar: os grãos em mim, os segredos nas mãos. Uma estória na chegada – sublime partida. O amor entre nós: areia a construir o castelo onde viveremos juntos.
Passeaste sem mim e és tu que aqui estás na invasão que me acolhe. Coração leve e enrijecido pelas areias que me entram no ouvido. São tantas, tão boas.
Os silêncios passaram a palavras que guardo, deitada, na mistura destes segundos: cada vez menos humana – sou.
A consciência levanta-me do chão que já foi lama por onde passaste e eu amei. Estou hirta, quase paralisada pelos segredos que são palavras, nas palavras que foram a estória. Respiro leve, a todo o custo, para almejar a parede. E toco-a com as extremidades dos dedos em pedra; uma pedra que sente. Encosto-me: encosto-me muito para que na saliência esteja apenas o nariz a cheirar a tua existência. Há-de haver o tempo em que gasta pela erosão também eu me torne parede; parede que sente cada minuto que antecede a tua chegada.
E depois?
Depois passearás sem mim todos os dias até que os passos fiquem mudos na iminência da minha cegueira.
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2 comentários:
"Esta linguagem é pura. No meio está uma fogueira e a eternidade das mãos"
Gostei muito. Já fui chão e parede.
MC
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