terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Meretriz.
Oscilante entre o sim e o não,
entre os extremos que me tornam pobre,
entre todos os pedaços de pão.
Foste tu que os deixaste,
que largaste a côdea intacta.
E seguiste. E seguiste.
Desvaneceste
entre as nuvens que não vi.
Vou lá. Quero comer: senti.
Vou lá: dou uma corrida e fito
o alimento
a escassos centímetros de ti.
Estou presa ao olhar.
E bastava esticar
um pouco mais o pescoço, sabes?
Espreito o dorso. Respiro em vão.
Suspiro.
Suspiro. Retenho o odor.
Viro as costas, agacho-me e quebro.
Perdida, sem saber onde é a vida.
Estão ali as migalhas.
E como eu as quero
no meu embalo de sem-abrigo das cores.
Sou o relento do que falas.
Como se o líquido penetrasse na sombra
e o meu peito se enchesse do sopro.
Sou um gesto:
toda eu movimento que ondula
sobre a pele que sobrou do nosso beijo.
Abraço-te por dentro:
no rancor, filtro dos dias,
nas confidências que guardámos com afagos.
As migalhas - lá: coexistem.
A delícia de as poder ver
sem que do chão brote a saudade.
Limpas-me os olhos, dizes que não.
Deixo que me leves
e percebo
como fujo desse pão.
Arremesso em força, sinal de negação.
As fagulhas multiplicam
a cápsula térmica do vácuo.
Sou puxada.
Levada em submissão.
Não aguento mais
ser o dedo da acusação.
E é o crepúsculo a chegar
E é só a vontade a anunciar
A lágrima na lei da pertença:
de quem serei?
Vencida.
entre o que penso pensar só de mim.
Despida.
A apodrecer o enredo
Surda no segredo.
As promessas não dormem ao relento.
E os sorrisos não falam assim.
Expludo-me aberta,
numa contemplação
que procura juntar as tristezas.
Lanço uma, lanço duas: estou a ver, estou a ver.
Estou a ver as chamas no ar.
O silêncio deseja-me;
quer-me amar.
É errado vacilar?
É loucura ser a fruta do orvalho?

2 comentários:

beija-flor disse...

Somos meros gestos, orvalho, traçços, sombras...o peso esmagador do que sentimos, que nos amarra...
Gostei de deambular por aqui!

Anónimo disse...

Estas palavras são como "força sustida" como são as que aqui ficam para descoberta ou recordação ténue. HH em toda "a hora teatral da posse".

"Há gente assim, tão pura. Recolhe-se com a candeia
de uma pessoa. Pensa, esgota-se, nutre-se
desse quente silêncio.
Há gente que se apossa da loucura, e morre, e vive.
Depois levanta-se com os olhos imensos
e incendeia as casas, grita abertamente as giestas,
aniquila o mundo com o seu silêncio apaixonado.
Amam-me; multiplicam-me.
Só assim eu sou eterno."