terça-feira, 18 de março de 2008

Sufocas-me. Sufocas-me tanto. Grito-te: pára. E fujo para a gruta das certezas. Não quero que sejas o centro. A gravidade por que todos anseiam. O sono que escasseia.

Lavo-me de ti: no corpo já só trago a nudez quebrada. Sei que sou partícula sem força e que tudo em ti é emancipação. Mas eu não gosto: não gosto dessas tuas paredes. Não gosto de as sentir cá dentro.

Insistes; insistes em dançar à minha volta. Nos rodopios agregas tudo o que se movimenta perdido. Não quero: não te quero. Liberta-me, deixa-me passear pelos muros frágeis; deixa-me prometer aos rios a cor; deixa-me já: sufocas-me.

Pinto os lábios. Entre os espaços que restaram dos poros, tu. As partículas suspensas: presas ao canto que te seduz. Deixa-me. Devolve-me, peço.

Já se me secaram as dores, troquei-as por feridas expostas ao sol. Deixo-as sangrar em tornados e rio-me. Rio-me com prazer, até. Rio-me enquanto apanho as flores que hei-de levar no dia do teu caixão. Será o Dia do Teu Caixão. E tu nem sabes. Nem sabes, sabes?

É essa a voz que me é muda e corteja a vindima. É essa a saudade que me abraça quando apanho os cachos e bebo das parras. Um dia destes vou acordar cedo: junto as uvas às flores e deito-as a todas no regaço, esfregando pelo peito o triunfo do cansaço. Depois, alinhada com o horizonte, coberta pelos ossos onde durmo desfilarei só para te ver morrer; colocarei nos passos a vaidade. Será o Dia do Teu Caixão. Está próximo: não imaginas, mas o descanso está próximo, sem a gravidade no leito da terra seca.

Vou espreitar. O lagar está pronto: espera por mim endoidecida. Canto. Entro nessa redoma empedrada que dará à luz as cordas da tua leviana vontade. É isto: é aqui que o templo acolherá a cria. Será aqui que os meus olhos te vão ver a contemplar a distância de um beijo, o desejo que já não vive.

No fim, o dos meus dias, caminharei ao largo do teu corpo já extinto. No fim, o dos teus dias, perceberás: só assim se oferece a liberdade.

1 comentário:

Anónimo disse...

É fabuloso ler por aqui que à dimensão da poesia é dado um novo nome. Inala-se cada gota exalada por esta escrita incrivel: a forma como é sentida. Não se consegue distinguir o que é atingido nestes momentos: estas palavras estão num patamar praticamente etéreo; numa depuração que é filigrana da alma: cada partícula de brilhantismo deste poema é usada para povoar cada segundo que se respira: desintegração absoluta. Sentes sem dimensão; solta, sem limites para classificação. Maior que a surpresa, apenas o sopro na concha dos sentidos apenas permeável a estes vapores de água suspensos da mais espantosa forma de sentir: por onde serpenteiam estas palavras leves? - por terrenos inatingiveis! os de quem conta o que sente, em captura febril das frases que são incadescendentemente cortantes. A leitura que permites só pode ter a recusa da omissão e o aconchego aveludado nas conchas dos momentos únicos. Brilhante: pura e simplesmente brilhante.